terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Babilônia e a ode ao cinema


“A vida é um filme.” E se formos pensar em Babilônia, a vida seria não só um filme como também uma festa.


É uma festa mais do que de arromba. Uma festa regada a muita bebida, drogas, sexo e esquisitices dignas do surrealismo de Salvador Dalí.


E é assim que. Babilônia, filme dirigido por Damien Chazelle é que estreia no próximo dia 19 de janeiro,  se inicia, com uma festa insana e megalomaníaca, com gente que a gente nem imagina quem seja, mas que vamos, aos poucos, desvendando quem são, seus medos, ambições e fragilidades.


Babilonia fala sobre a passagem do cinema mudo para o falado, mostrando a ascensão e queda, durante 3h e 8 minutos de filme, de, principalmente, 3 personagens chave da história - Jack Conrad (Brad Pitt), Manny Torres (Diego Calva) e Nellie La Roy (Margot Robbie). Além disso, escancara que todos nós, na vida, temos o nosso tempo de tela. Nada é para sempre e o sucesso é efêmero.


O interessante aspecto do longa é o fato de a extensa duração não prejudicar em nada o filme.


O ritmo frenético das festas é o mesmo dos sets de filmagem e tudo é muito bem acompanhado de uma trilha jazzística- marca presente nas obras de Chazelle - que, não à toa ganhou o Globo de Ouro de melhor trilha sonora agora em 2023.


Por sinal, não só a trilha sonora é incrível. O jeito como o som é incorporado na história é espetacular.


Chazelle sabe exatamente o quanto o silêncio é preciso e algumas cenas a forma como ele as utiliza é sensacional.


Nos sentimos mesmo passando do cinema mudo ao falado e, ao mesmo tempo, o quanto as vozes tão atuantes e importantes do cinema mudo são caladas quando o cinema inicia a sua transformação.


Além do aspecto sonoro, Margot Robbie mostra o porquê é considerada uma das grandes atrizes da atualidade.


Brad Pitt, apesar de inicialmente remeter a seus personagens em Bastardos Inglórios e Era uma vez em Hollywood, se mostra um grande ator e, se destaca e se diferencia em cada papel que se propõe a fazer.


Babilônia é grandioso. Tem planos sequências incríveis, cenas em que o campo e contra campo são importantíssimos e dizem muito sem mostrar nada e dão ainda mais importância ao filme.


Chazelle faz uma obra prima ainda mais onipotente do que Whiplash e La la land e, além disso, faz uma homenagem ao cinema e, principalmente a Cantando na chuva, encantando e finalizando o longa de maneira brilhante.


Deve pintar indicação ao Oscar por aí.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Corsage mostra o drama da mulher acima dos 40


Você já ouviu falar em Corsage? Corsage é  o famoso espartilho que as mulheres de muito antigamente costumavam usar sob o vestido para terem uma cintura mais definida e parecerem mais magras.

É também aquela flor que as formandas americanas costumam usar como uma pulseira no dia da formatura e que são meramente decorativas.

Corsage, longa dirigido pela cineasta Marie Kreutzer conta a história da imperatriz Elizabeth da Áustria (Vicky Krieps) que, comemora seus 40 anos, idade avançada pra época, com o peso de já não ser mais tão bela e jovem e na iminência de ser vista apenas como mero item decorativo.

O interessante do filme é justamente ver o quanto se cobra de uma mulher madura e mais velha. Ela ouve (indiretamente) que está velha, se preocupa em estar gorda, sendo que é magra e esguia e não tem voz pra nenhuma decisão.

Claro que sabemos que estamos diante de 1880 e pouco, mas é incrível como essa coisa de ditadura da beleza é algo que sempre existiu e cobranças pra que ela seja uma esposa obediente devendo estar sempre impecável, é algo que permanece, infelizmente, ainda hoje no século 21.

Os homens, tanto hoje como àquela época, não são cobrados por seus corpos ou por sua idade. Podem ser vistos com outras mulheres, serem feios e barrigudos que está tudo bem. A mulher, por outro lado, além de ter que estar sempre dentro do peso (magro por sinal), não pode se divertir e ser vista conversando com um homem já é sinal de estar traindo o marido.

Assim como as flores nas pulseiras das debutantes de hoje, mulheres daquela época são meramente decorativas e não podem se envolver nas decisões de absolutamente nada. Devem se preocupar com os filhos, com tarefas como equitação, bordado, não devem fumar e, muito menos, participarem dos negócios e decisões de seus maridos.

Mais de 100 anos de evolução não são suficientes pra que as mulheres sejam como elas querem e tenham os corpos que bem entenderem. Mesmo saudáveis estando acima do peso, são mal vistas e tem sempre alguém pra lhe apontar estão fora dos padrões que as capas de revistas estampam aos montes por aí.

Ninguém diz a um homem que ele está fora dos padrões, que deve esconder sua barriga, disfarçar a calvice e cuidar da pele enrugada.

Marie Kreutze reforça que a mulher pode ser sim quem ela quiser, ter o cabelo que quer e comer o que bem entender, inclusive, umas das melhores cenas do filme é quando a imperatriz Elizabeth, cansada já de tanto esforço para emagrecer, se refestela num pedaço generoso de bolo de nata.

A fotografia do filme parece um quadro pertencente ao realismo e tem como cena final uma das cenas mais bonitas do universo cinematográfico, sendo acompanhado da música "She was"composta pela cantora e compositora francesa Camille.

Corsage é um filme sobre mulheres e para todas as mulheres.Vicky Krieps, além de belíssima, dá vida a todo o sofrimento da imperatriz Elizabeth. Vale muito a pena ser assistido e estreia nos cinemas brasileiros no próximo dia 12 de janeiro

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Aftersun é a dor que habita dentro de nós


Viver dói, machuca, mas quando somos crianças, além de não termos preocupações e boletos para pagar, a gente não faz ideia do quanto Guimarães Rosa estava certo em dizer que "Viver é muito perigoso".

Aliás, quando crianças, a gente não só não conhece Guimarães Rosa como também não conhece a vida  e não sabemos o que se passa dentro da mente e do coração de nossos pais e, talvez, a gente só comece a entender um pouco disso quando nos tornamos adultos ou, mais ainda, quando nos tornamos pais.

É já adultos que temos a dimensão das dores que carregamos dentro de nós e, talvez, comecemos a refletir sobre o passado e passemos a entender que um olhar perdido de nossos pais possa significar a dor que habita neles e que eles fazem de tudo para escondê-la de nós, assim como hoje escondemos dos nossos filhos os nossos temores, nossas preocupações e nossas dores dilacerantes,

Aftersun, primeiro longa da diretora Charlotte Wells é sobre voltar ao passado, à época de infância e tentar se colocar no lugar de nossos pais e entender de alguma forma o que se passava dentro deles.

Sophie é uma menina de 11 anos que, em férias com o pai pela Turquia, além de estar descobrindo o que é o universo adolescente, tenta entrar um pouco no universo do jovem pai de 30 anos, Callum, que guarda só pra si medos, dores e rancores que Sophie está tentando entender após 20 anos dessa inesquecível viagem.

O modo como Charlotte nos mostra tudo isso é sensível e delicado. Além de espectadores, somos os olhos atrás da câmera VHS que ora Sophie e ora Callum carregam. O sofrimento de Callum não só é visível em seu olhar como também na maneira como durante as filmagens que eles mesmo fazem durante a viagem, ele fica encolhido no canto da tela ou é apenas um reflexo numa pequena TV do quarto do hotel.

Enquanto Sophie cresce como menina, é Callum que diminui como homem e como pai.

A gente termina Aftersun com a sensação de grito preso na garganta, e ouvir Under Pressure (Queen) daqui pra frente é se sentir devastado e sozinho numa praia da Turquia,

Aftersun é dor, memória e o sofrimento que todos nós carregamos dentro de nós e escondemos diariamente daqueles que mais amamos, pois é um sofrimento só nosso e de mais ninguém.

(Além dos cinemas, está disponível na plataforma MUBI)

"Criaturas do Senhor" traz Paul Mescal e Emily Watson em discussão sobre abuso e maternidade.

Se você é mãe está lendo este texto, o que você faria para defender o seu filho? Acredito que muitas aqui responderiam a essa pergunta dizen...