terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

A gente não imagina o quanto um filme pode ser devastador até assistir a Close


Existem amizades que vêm, literalmente, de berço. Aquela coisa mesmo das famílias serem super amigas, terem filhos e esses filhos crescessem como se fossem irmãos.

Há quem diga até que um amigo pode ser, ainda, mais amado que um irmão e, como qualquer relação entre irmãos, há carinho, afeto, cumplicidade e, claro, amor, muito amor.

Lukas Dhont nos presenteia com Leo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav de Waele) em Close, filme que estreia dia 2 de março nos cinemas brasileiros e entra no catálogo da MUBI a partir de 21 de abril.

Com 13 anos, Leo e Rémi são amigos de infância. Passam a maior parte do dia juntos, Leo costuma dormir na casa de Rémi, os dois sempre jantam juntos e um é a família do outro. São amigos/irmãos e da mesma forma que o filme é de um colorido vibrante e cheio de vida, a amizade dos dois também o é.

Porém, algumas famílias costumam educar seus filhos ensinando-lhes que, principalmente dois meninos andam muito juntos ou dois homens andam muito juntos, demonstrando publicamente afeto e carinho, isso quer dizer que, ali, há uma relação homossexual.

E é quando eles vão à escola, juntos, que os questionamentos começam e os colegas começam a insinuar que dessa relação entre irmãos há uma relação homoafetiva.

Se fossem dois adultos maduros talvez fosse fácil dar de banda à essas insinuações, mas quando se tem 13 anos esses questionamentos ferem a ponto de afastar dois amigos que sempre estiveram unidos realmente como irmãos.

A partir desse afastamento, surgem brigas e dessas brigas algo muito triste e trágico acontece, afetando para sempre a trajetória desses meninos e dessas famílias.

O interessante no filme é justamente como o diretor Lukas Dhont nos escancara essa realidade que nos rodeia todos os dias. Como ele afasta e aproxima a câmera, o jeito como a coloca fixa em algum ponto ou corre com ela em mãos pra pra nos provocar as mais diversas sensações.

As pessoas são perversas, as crianças podem ser sim más e tecerem comentários que ferem mais do que uma facada no peito ou um osso quebrado em um dos braços.

Raros são aqueles que vêem a pureza das coisas e das pessoas. A maioria julga sem dó e sem pensar a que consequência isso pode levar.

Close é um filme lindo, cheio de flores, colorido, mas triste demais. Na sala de cinema que eu estava no dia da exibição não teve uma só pessoa que não tenha saído chorando dos cinemas e, assim como eu, não deve ter ficado dias e dias pensando em tudo o que podia ser diferente e como o preconceito destrói vidas assim como pragas destróem uma plantação.

Assim como a terra revolta, a vida da gente tem que estar sendo diariamente preparada pra novas sementes que vingarão ou que fenecerão. e nós, como plantadores, devemos estar sempre atentos ao que pode servir adubo bom ou ruim. Devemos ensinar desde cedo aos nossos que o ferrão das abelhas é dolorido, mas eles, apesar de muitos e às vezes frequentes,  são só ferrões e as picadas doloridas cicatrizam.

Dentro da caixa de Pandora, apesar dos males que se espalharam pelo mundo, sobrou a esperança e é nela que temos que nos agarrar pra combater todo esse preconceito e julgamento que há no meio de nós.


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Em "A Baleia", Aronofsky nos mostra que é impossível alguém ter empatia perante a obesidade

 


Não é fácil assistir ao filme de Aronofsky. Não é fácil ver aquele homem daquele tamanho, sofrendo, se empanturrando de comida quando triste ou nervoso e não fazermos um paralelo com a vida que a gente leva, com as tristezas presas aos ombros ao longo dos tempos e dos nossos dia a dias.

Pra mim, foi doído demais assistir ao filme "A Baleia", dirigido por Darren Aronofsky e que estreou nos cinemas brasileiros no último dia 23 de fevereiro.

Foi doído porque por centenas de vezes me senti triste, estressada, nervosa e desamparada e foi na comida que encontrei conforto e, posteriormente, culpa.

Não sou uma pessoa gorda e estou muito longe da obesidade mórbida, mas há anos luto para chegar a um peso que tinha e que, provavelmente, não terei mais. Sinto dores nas costas, nos pés, no joelho e sei que todas essas dores não são apenas por conta da idade, são por conta de um excesso de peso que me custa perder, justamente porque ainda é na comida que eu encontro momentos de alívio, mas um alívio que dói, e que é algo que parece ser quase impossível de fugir.

No filme, Charlie, interpretado brilhantemente por Brendan Fraser, é um professor de inglês que, por sua condição de obesidade mórbida, ministra suas aulas de maneira on-line e com a câmera do computador desligada, justamente para que seus alunos não tenham repulsa de sua aparência obesa e deformada.

Charlie se recusa a ter ajuda, talvez por sua vida não ter mais sentindo após a morte de seu namorado. Aliás, foi isso que  levou a ganhar tanto peso a ponto de chegar à situação que chegou.

Pra mim, essa recusa de querer ajuda não me incomoda, mas me incomoda o fato de que pras outras pessoas, está tudo bem.

A própria amiga/enfermeira (Hong Chou) que o ajuda, sabe que ele está morrendo, está presente em momentos como engasgos, fortes dores no peito, diz que se preocupa com ele, mas o ajuda, de certa forma, a se matar lentamente. Não insiste que ele deve ser internado e, após um engasgo forte enquanto comia um lanche que ela mesmo lhe deu, ela pega o mesmo lanche e diz que ele pode continuar comendo.

Não sei se Aronofky quer que tenhamos pena desse homem imenso, mas se é isso, ele exagera e muito, chegando a ser um tanto quanto irritante. 

A gente sente pena por ele ser do tamanho que é, a gente sente pena por ele sofrer por conta da morte de seu grande amor, a gente sente pena pela forma que a filha o trata, sente pena da maneira como os poucos com quem ele tem contato o veem, ou seja, tudo é um exagero sem fim.

Exagerada também é a música colocada no filme, uma música sempre num crescente irritante pra que tenhamos a impressão que estamos mergulhados no mar acompanhado de baleias.

Por falar nisso, apesar de podermos associar o tamanho de Charlie ao de uma baleia, a impressão que se tem é que ele seria o Jonas dentro da baleia. ao longo de uma semana, acompanhamos Charlie preso dentro de casa, uma casa cinza e com pouca iluminação, com um exterior sempre chuvoso e, de certa forma, assim como a passagem da Bíblia, em busca da redenção divina.

Redenção essa que deveria vir de seu acerto com a filha, interpretada por Sadie Sink que não conseguiu deixar de lado seu papel como Max de Stranger Things. Ela é brusca e arredia como Maxine, mas, diferente do universo adolescente da série, nem Brendan Fraser consegue salvar a sua atuação.

Enfim, a gente dica angustiado diante daquele homem gigante, mais gigante ainda pelo fato de Aronofsky ter optado por filmar em tamanho 4:3 justamente para nos dar essa impressão de aperto e ficarmos incomodados com aquele personagem, mas é, de certa forma, um filme problemático já que não mostra uma só pessoa tendo uma atitude diferente perante aquele homem obeso à beira da morte, Ele reforça que a obesidade só leva ao sofrimento, ao preconceito e não há absolutamente ninguém que possa ter um olhar humano diante dessa situação.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Mato Seco em Chamas é o Brasil sem máscaras


Três mulheres, Leia, Chitara e Andrea, da favela Sol Nascente, na Ceilândia são conhecidas como as gasolineiras de Kebradas e suas histórias são conhecidas dentro e fora das paredes da Prisão Feminina de Brasília. Refinando o petróleo que elas mesmas extraem e revendendo o produto a motociclistas, elas lutam pelo petróleo, que deveria ser um produto do povo Num misto de ficção com documentário, Adirley Queirós e Joana Pimenta, mostram, ao espectador, um Brasil nu, cru e sem máscaras, que revela o quanto padece a população mais necessitada do país. Mato Seco em Chamas estreia no próximo dia 23 de fevereiro nos cinemas e traz no elenco mulheres fortes e reais. Mulheres destemidas que lutam diariamente por um país mais justo. País esse que não dá oportunidades e que oferece o crime como algo compensador, apesar de se saber que ele traz também sérias consequências. O mais interessante do filme é o fato das atrizes não serem realmente atrizes, serem mulheres reais que passam dificuldades, foram presas e lutam por seus filhos e para sobreviver. Mesmo estando diante de partes ficcionais que lembram o filme Mad Max (1979) de George Miller, Mato Seco em Chamas é potente e político, é corajoso em mostrar qual recurso que o Distrito Federal usa para se acabar com o tráfico de drogas e que, mesmo num país futurista, liderado por mulheres, que querem tudo mais digno e justo, não se tem um só dia de paz. Nada no filme é rebuscado. A iluminação é quase sempre amarelada e cercada de fogo. O figurino lembra mesmo ao de Mad Max e há o contraste entre a fé e o fanatismo político, esse último que veio a eleger um genocida ao poder. Mato Seco em Chamas denuncia e sufoca. Clama por urgência na resolução da desigualdade que assola não só a Ceilândia, mas todo país e prova que mulheres não são um sexo frágil, são lobas, leoas e líderes e que, em sua maioria sozinhas, são independentes e estão dispostas a fazer qualquer coisa para sobreviverem, afinal, num país que prega um Brasil acima de tudo e Deus acima de todos, não há nada o que se pode fazer a não ser lutar e sobreviver.

"Criaturas do Senhor" traz Paul Mescal e Emily Watson em discussão sobre abuso e maternidade.

Se você é mãe está lendo este texto, o que você faria para defender o seu filho? Acredito que muitas aqui responderiam a essa pergunta dizen...